Os efeitos dos transgênicos sobre a saúde

*Antônio Inácio Andrioli

Tendo como fundamento razões econômicas, a indústria da transgenia tenta suprimir os riscos apresentados pelos produtos transgênicos. Na avaliação dos riscos, parte-se de uma chamada equivalência substancial entre organismos transgênicos e convencionais, sendo que são estudados, de forma exclusiva, os genes, sem abordar os efeitos deste a partir do contexto em que estão inseridos (Andrioli/Fuchs, 2008). Os genes de seres humanos e de macacos, por exemplo, coincidem em 99%, o que deixa claro que a mera análise genética pouco esclarece sobre a composição de um organismo. No que se refere à soja, entre seus 100 a 200 mil gens, apenas 20 foram estudados, algo em torno de 0,01% do genoma dessa planta (Parodi, 2005). Diante disso, fica claro que o princípio de uma “equivalência substancial” entre a soja transgênica e a convencional é avaliado mais por um desejo econômico do que pela seriedade científica.

1. Muito acaso, pouca segurança


As multinacionais da indústria química e seus defensores trabalham com dois dogmas centrais, ou seja, que a transgenia seria objetiva (isto é, que os genes seriam isoláveis e objetivamente transferíveis entre os seres vivos) e que, no caso dos novos genes inseridos, seria comprovável apenas o efeito intencionado. Essas afirmações, no entanto, não são comprovadas cientificamente. Por meio dos métodos atuais, seja pela chamada pistola de DNA[1] ou pelo uso de agrobactérias (como é o caso da soja transgênica), os genes são inseridos espontaneamente, de sorte que permanece desconhecido o local exato no genoma do organismo receptor, assim como a freqüência da integração.

Como a atividade de um gene depende de sua posição exata, do ambiente celular e do meio ambiente, é muito improvável que a integração de um novo gene tenha apenas uma função, sendo, portanto, difícil excluir efeitos colaterais indesejados, como, por exemplo, a produção de novas substâncias tóxicas. Ainda que se desenvolvam novos métodos para garantir o controle de genes inseridos (até o momento muito complicado, como, por exemplo, inserindo de uma só vez blocos de genes em uma planta), os efeitos colaterais não serão menores. Pelo contrário: a probabilidade só pode crescer na medida em que o metabolismo da planta aumentar em complexidade. A genética molecular é simplificada pelo conceito da transgenia como metodologia de cultivo de plantas, reduzindo-a a unidades aproveitáveis. Com isso subestima-se o fato de que uma planta não consiste, simplesmente, da soma de genes, que a regulagem genética funciona em rede e há uma diversidade de interações de um organismo com o meio ambiente, como conseqüência de sua capacidade histórica de adaptação.

2. O reduzido número de pesquisas independentes sobre transgênicos

Outro argumento muito utilizado pelas multinacionais é que até o momento não teriam sido comprovados acidentes significativos em função do cultivo e consumo de plantas transgênicas. Como não há uma efetiva obrigatoriedade de rotulagem de alimentos transgênicos nos países líderes em cultivo de transgênicos (a rotulagem é, justamente, impedida pelo insistente empenho das multinacionais), não há, portanto, um grupo comparativo para poder promover tais estudos. Uma vez que resultados de laboratório não podem simplesmente ser transferidos a campo, eventuais efeitos permanecem velados, sendo apenas detectáveis quando os perigos já se apresentam. Acrescenta-se ainda o fato de que há pouquíssimos estudos independentes disponíveis sobre os efeitos dos transgênicos à saúde. Muitos institutos de pesquisa capacitados para a pesquisa são, em crescente medida, financiados e influenciados pelas multinacionais interessadas.

Apesar disso, existem alguns estudos que questionam a segurança da tecnologia transgênica com relação à saúde. No caso da variedade de milho StarLink, resistente a insetos, desenvolvido pela Bayer em 2002, foi constatado o perigo deste causar alergias. Isso provocou a diminuição de investimentos na pesquisa transgênica pelo grupo da indústria química (Aventis, 2001). A variedade MON 863, da Monsanto, resistente a insetos, suscitou uma enorme polêmica em 2004, quando, em testes de alimentação desenvolvidos com ratos, realizados pela própria empresa, foram constatadas modificações no sangue das cobaias (aumento de glóbulos brancos, elevada glicose e aumento de infecções renais) (Carrel; Rowell, 2005). No que se refere à soja, pesquisadores das Universidades de Urbino e Perugia constataram, em 2002, em testes de alimentação com camundongos, a ocorrência de alterações na estrutura do fígado em cobaias que recebiam 14% de soja transgênica em sua ração (Malatesta et al., 2002). Isso pode ser causado por produtos metabólicos desconhecidos em função de efeitos posicionais do gene resistente a herbicida, com também em função de efeitos conhecidos de resíduos de superdoses de herbicidas e seus derivados.

No Brasil, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) comprovaram em 74% das amostras, resíduos de até 14 miligramas do herbicida por Kg de soja, o que supera, em muito, o limite determinado pela legislação brasileira de agrotóxicos (Skalisz, 2005).[1] Como cerca de 80% da soja se destinam à ração animal e a legislação da União Européia abriu mão da respectiva rotulagem para carnes, ovos e leite, uma análise dos efeitos de resíduos de glifosato na soja sobre o organismo de suínos, vacas e aves seria de grande importância, especialmente com relação aos interesses dos consumidores de tais produtos.

3. Como reage o ser humano diante dos transgênicos?

Continua uma incógnita saber se os efeitos sobre os testes com ratos são aplicáveis ao organismo humano. Independente disso, a questão dos resíduos de Roundup e de seus efeitos sobre a saúde humana, no caso da soja transgênica, é de especial importância. Desde o início dos anos de 1990, o Roundup é aplicado como herbicida no Brasil, o que permitiu a introdução do “plantio direto”[2] nas lavouras. No caso da soja transgênica, é possível aplicar o Roundup durante o período do crescimento vegetativo, o que, conjugado à superdosagem, em função do surgimento de crescentes resistências das ervas daninhas, aumenta a probabilidade de resíduos no grão.

O herbicida Roundup é composto de glifosato, sal de isopropilamina, polioxietileno-amina e água. A OMS avalia como baixa a toxicidade aguda do glifosato, se comparada a outros agentes. Em testes, entretanto, foram constatados danos na saúde de mamíferos, que indicam tanto para efeitos colaterais do agente ativo quanto para efeitos dos demais componentes de Roundup e sua combinação com outras substâncias no solo e em organismos vivos. O Roundup contém até 15% da substância POEA (Polioxietileno-amina), responsável pelo efeito surfatante, isto é, a redução da tensão superficial para que o agente do herbicida possa melhor penetrar no tecido da planta. O efeito dessa substância aditiva, segundo Kaczewer (2002), é responsável pela destruição das funções do fígado e dos rins, em animais. Como a maioria dos estudos deste herbicida foram realizados com o agente ativo, isoladamente em laboratório, negligencia-se a totalidade da fórmula de Roundup, cuja toxicidade aguda, em testes com ratos, mostrou-se muito mais forte se comparada com o agente isolado (Cox, 1998; Martinez; Brown, 1991).

4. Câncer e danos reprodutivos

Especialmente os estudos que se concentram nas possíveis reações do Roundup no solo são muito importantes. Foi constatado que, durante a decomposição do produto no solo, pode ocorrer a formação de uma substância cancerígena, ou seja, o formaldeído, e que o glifosato, em combinação com nitratos do solo, se converte em nitroso-glifosato, uma substância há muito conhecida como causadora de carcinomas (cânceres) de fígado (Kaczewer, 2002) Importantes são também os efeitos crônicos do glifosato, que se devem especialmente ao contato cutâneo com o produto. Isso não afeta apenas seres vivos de pele fina, permeável, como sapos, mas também os seres humanos. Em função de seus estudos na Suécia, Hardell e Eriksson estimam haver uma relação entre o contato de longa duração com glifosato e efeitos cancerígenos, tais como o Linfoma não-Hodgkin (NHL)[3] (Hardell; Eriksson, 1999).

Outro campo que ocupa o centro das pesquisas refere-se aos efeitos do Roundup sobre o sistema reprodutor de mamíferos, pois verificou-se, em experiências com ratos, uma diminuição da libido, bem como um menor volume de sêmen ejaculado (Yousef et al., 1995). Isto se explica pela contenção da síntese de esteróides e da ação da proteína reguladora StAR (steroidogenic acute regulatory protein) presente em resíduos de Roundup (Walsh et al., 2000). No Brasil, isso foi confirmado por Eliane Dallegrave, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, em seus estudos, chegou aos seguintes resultados, envolendo  problemas reprodutivos em ratos cobaias, que tiveram contato com o Roundup: a) maior parcela de espermatozóides anômalos, b) menor produção diária de espermatozóides e c) alterações no desenvolvimento do tecido testicular (Dallegrave et al., 2003).

Os estudos disponíveis sugerem que os efeitos do Roundup, em uso crescente, são intensificados em conexão com a soja resistente a herbicidas. O herbicida veio a ser o maior causador de intoxicações no Brasil, com 11,2% de todos os casos entre 1996 e 2002 (Benatto, 2002). Conforme o Ibama, a venda do agente ativo glifosato no Rio Grande do Sul, entre 1998 e 2001 (período de introdução da soja transgênica), aumentou de 3,85 toneladas para 9,13 toneladas anuais. Os casos de intoxicação oficialmente registrados aumentaram, entre 1999 e 2002, de 31 para 119, segundo o Centro de Informações Toxicológicas do Rio Grande do Sul (Ibama, 2003).

*Antônio Inácio Andrioli é professor do Mestrado em Educação nas Ciências da UNIJUÍ - RS e da Universidade Johannes Kepler de Linz (Áustria). Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück (Alemanha)

Referências:

Andrioli, A./Fuchs, R. (2008): Transgênicos: as sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. São Paulo: Expressão Popular.

Andrioli, A. (2007): Biosoja versus Gensoja: Eine Studie über Technik und Familienlandwirtschaft im nordwestlichen Grenzgebiet des Bundeslands Rio Grande do Sul/Brasilien. Frankfurt am main: Peter Lang.

Aventis. (2001): Aventis Annual Report 2000. Download: 20.07.2003)

Carrel, S./Rowell, A. (2005): When fed to rats it affected their kidneys and blood counts. So what might it do to humans? We think you schould be told. The Independent, London. Download: (22.05.2005).

Malatesta, M./Caporaloni, C./Gavaudan, S./Rocchi, M./Serafini, S./Tiberi, C./Gazzanelli, G. (2002): Ultrastructural morphometrical and immunocytochemical Analyses of hepatocite nuclei from mice fed on genetically modified soybean. Cell Structure and Function, Vol. 27, Nr. 4: 173-180.

Parodi, A. M. (2005): Transgênicos: perigo da ausência de testes assusta. Jornal A Notícia, Joinville, 28.04.2005. Download: (30.04.2005).

[1] Pistola de DNA, com a qual células com partículas de metal são pressionadas, para que determinado gene penetre o genoma de uma planta.

Benatto, A. (2002): Sistemas de Informação em Saúde nas Intoxicações por Agrotóxicos e Afins no Brasil: situação atual e perspectivas.  Campinas: UNICAMP.

Cox, C. (2003): Glyphosate (Roundup). Journal of Pesticide Reform 18: 3–17. Downoload: (30.10.2005).

Dallegrave, E./Mantese, F./Coelho, R./Pereira, J./Dalsenter, P./Langeloh, A. (2003): The teratogenic potential of the herbicide glyphosate-Roundup® in Wistar rats.  Toxicology Letters,  Vol. 142: 45-52.

Hardell, L./Eriksson, M.(1999): A case-control study of non-Hodgkin lymphoma and exposure to pesticides. Cancer 85: 1353-1360.

Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (2003): Relatórios de consumo de ingredientes ativos de agrotóxicos e afins no Brasil - anos 1998 a 2001.  Brasília: IBAMA.

Kaczewer, J. (2002): Toxicologia del glifosato: riesgos para la salud humana. En: La Producción Orgánica Argentina 60: 553-561.

Martinez, T. T./Brown, K. (1991): Oral and pulmonary toxicology of the surfactant used in Roundup herbicide. Proceedings of the Western Pharmacology Society 34: 43–46.

Skalisz, R. (2005): Contaminação tóxica da soja transgênica. Folha de Londrina, Londrina, 16.07.2005.

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Yousef, M. I./Salem, M. H./Ibrahim, H. Z./Helmi, S./Seehy, M. A./Bertheussen, K. (1995): Toxic effects of carbofuran and glyphosate on semen characteristics in rabbits. Journal of Environmental Science and Health, Vol. 30, Nr. 49: 513–534.